Essa é uma pergunta recorrente nos últimos meses. Qual é a mudança de maior impacto que a revisão da norma irá ocasionar nos Sistemas de Gestão de Qualidade das empresas?
Ao refletir um pouco sobre essa questão, tentamos identificar na IATF-16949 qual é exatamente a mudança de maior impacto. Concluímos que não há um único requisito em especial que causará impacto, mas sim vários deles.
As mudanças trazidas pela IATF-16949 se darão por todo o sistema de gestão, devido a um fator que não podemos considerar uma grande novidade, mas que obrigará as organizações a trabalharem muito para atender. Trata-se da Mentalidade de Risco e da abordagem de Riscos e Oportunidades. Talvez seja este aspecto que causará maior impacto nas organizações.
A Mentalidade de Risco sempre esteve presente nas normas automotivas. A palavra de ordem sempre foi prevenção de problemas, trabalhar para que os problemas não ocorram. Certo? Porém, mesmo com todas as ferramentas de prevenção, os Core Tools, todos os CSR’s etc, as quebras de qualidade continuam ocorrendo. Ocorrem na falha em prever os riscos em qualquer ação, atividade ou mudança. Geram o temido “Recall”.
A IATF-16949 cita a palavra risco ao longo de seu texto nada menos que 50 vezes, e o risco está distribuído em 36 requisitos espalhados em todas as seções (de 4 à 10). Na ISO-9001:2015 a palavra risco é citada 30 vezes e está presente em 14 requisitos.
No total somando ISO-9001 + IATF-16949, são 80 citações e 50 requisitos, tratando apenas de referencias direta ao risco.
Isso representa praticamente 26% de todos os requisitos das normas. Então, se levarmos em consideração que a norma é um processo e que todos os requisitos estão interligados entre si, concluímos que o impacto se dará em todo o sistema de gestão.
Podemos destacar que a preocupação da IATF-16949 é que os riscos sejam identificados e controlados, principalmente no processo produtivo, pois dos 36 requisitos onde o risco é abordado, 19 estão presentes na seção 8 – Operação. Ou seja, no fazer: vender, desenvolver, qualificar e monitorar fornecedores, produzir, controlar o produto. Já na ISO-9001:2015, as referencias ao risco estão mais concentradas nas seções correspondentes ao planejamento, medição e melhoria (não aparecem nas seções 7 e 8). A IATF-16949 é um complemento à ISO-9001 para as organizações do segmento automotivo. Elas deverão obter as duas certificações, ficando claro então, que a mentalidade de risco estará por todo SGQ de forma contundente.
Vamos aos requisitos onde a Mentalidade de Risco esta incorporada:
4.1 – Entendendo a organização e seu contexto (ver requisito 6.1)
4.2 – Entendendo as necessidades e expectativas de partes interessadas (ver requisito 6.1)
4.4 / 4.4.1 – Sistema de gestão da qualidade e seus processos
4.4.1.2 – Segurança do produto (requisito IATF-16949:2016)
5.1 / 5.1.1 – Liderança e comprometimento – Generalidades
5.1.2 – Foco no cliente
6.1 / 6.1.1 / 6.1.2 – Ações para abordar riscos e oportunidades
6.1.2.1 – Análise de risco (requisito IATF-16949:2016)
6.1.2.2 – Ação preventiva (requisito IATF-16949:2016)
6.1.2.3 – Planos de contingência (requisito IATF-16949:2016)
7.1.2.1 – Planejamento da planta, instalações e equipamentos (requisito IATF-16949:2016)
7.1.5.2.1 – Registros de calibração / verificação (requisito IATF-16949:2016)
7.2.3 Competência do auditor interno (requisito IATF-16949:2016)
7.2.4 Competência do auditor de segunda parte (requisito IATF-16949:2016)
7.3.1 – Conscientização – suplemento (requisito IATF-16949:2016)
7.5.3.2.2 – Especificações de engenharia (requisito IATF-16949:2016)
8.3.2.1 – Planejamento do projeto e desenvolvimento – suplemento (requisito IATF-16949:2016)
8.3.2.3 – Desenvolvimento de produtos com software embarcado (requisito IATF-16949:2016)
8.3.3.1 – Entradas de projeto de produto (requisito IATF-16949:2016)
8.3.3.2 – Entradas de projeto do processo de manufatura (requisito IATF-16949:2016)
8.3.3.3 – Características especiais (requisito IATF-16949:2016)
8.3.4.1 – Monitoramento (requisito IATF-16949:2016)
8.3.5.1 – Saídas de projeto e desenvolvimento – suplemento (requisito IATF-16949:2016)
8.3.5.2 – Saídas de projeto do processo de manufatura (requisito IATF-16949:2016)
8.4.1.2 – Processo de seleção do fornecedor (requisito IATF-16949:2016)
8.4.2.1 – Tipo e extensão do controle – suplemento (requisito IATF-16949:2016)
8.4.2.4.1 – Auditorias de segunda parte (requisito IATF-16949:2016)
8.4.2.5 – Desenvolvimento do fornecedor (requisito IATF-16949:2016)
8.5.1.1 – Plano de controle (requisito IATF-16949:2016)
8.5.1.4 – Verificação após parada (shutdown) (requisito IATF-16949:2016)
8.5.2.1 – Identificação e rastreabilidade – suplemento (requisito IATF-16949:2016)
8.5.6.1 – Controle de mudanças – suplemento (requisito IATF-16949:2016)
8.5.6.1.1 – Mudança temporária nos controles do processo (requisito IATF-16949:2016)
8.7.1.4 – Controle de produto retrabalhado (requisito IATF-16949:2016)
8.7.1.5 – Controle de produto reparado (requisito IATF-16949:2016)
9.1.1.2 – Identificação de ferramentas estatísticas (requisito IATF-16949:2016)
9.1.3 – Análise e avaliação
9.2.2.1 – Programa de auditoria interna (requisito IATF-16949:2016)
9.2.2.3 – Auditoria do processo de manufatura (requisito IATF-16949:2016)
9.3.1.1 – Análise critica da direção – suplemento (requisito IATF-16949:2016)
9.3.2 – Entradas de análise crítica pela direção
9.3.2.1 – Entradas da análise critica da direção – suplemento (requisito IATF-16949:2016)
10.2 / 10.2.1 – Não conformidade e ação corretiva
10.2.3 – Solução de problema (requisito IATF-16949:2016)
10.2.4 – Prova de erro (requisito IATF-16949:2016)
A mentalidade do risco como podemos evidenciar, esta espalhada por toda a IATF-16949. O que podemos entender é que mais do que nunca o objetivo é trabalhar para que as não-conformidades NÃO ocorram.
Por experiência, sabemos que muitas organizações que fazem parte da cadeia automotiva são muito boas quanto a reação às não-conformidades. São eximias em tomar as disposições corretas, verificar a extensão do problema, rastrear, analisar as causas, definir e executar um plano de ações corretivas, verificar eficácia etc. Essas organizações deverão agora se especializar em evitar que as não conformidades ocorram. Deverão ser “expert” em identificar e eliminar riscos. Reduzir desperdícios, reduzir custos, melhorar a performance!
Uma questão importante a ser levantada, é que inserir o conceito de mentalidade de risco dentro de uma organização, vai muito além de aplicar algumas ferramentas, planilhas, estatísticas etc. Para que realmente funcione e os resultados sejam alcançados, uma revisão profunda no SGQ deverá ser realizada, principalmente quando falamos em abordagem de processos.
Risco é o efeito da incerteza sobre o resultado esperado (ISO-9000:2015 – Termos e definições).
Se vamos assumir a mentalidade do risco, devemos ter muito, mas muito claro qual é o resultado esperado de cada processo do SGQ, inclusive e principalmente, os processos de manufatura (é isso que a IATF deseja).
Quais são as saídas de “valor” que os processos devem entregar aos processos subsequentes? Quais os riscos desse “valor” não ser entregue em sua plenitude? O que vamos fazer para garantir que esse “valor” não seja comprometido?
E como devemos fazer essa mudança de mentalidade de todos em relação ao SGQ?
Com certeza isso passa pela Alta Direção, a Liderança máxima da organização. Liderar é dar exemplo, e a mentalidade do risco só ocorrerá desta forma.
Na ISO-9001:2015 o envolvimento da Alta Direção com o SGQ recebe maior destaque, devendo ocorrer um alinhamento da Política e Objetivos do SGQ com a estratégia da organização. Somando-se à isso, na IATF os Requisitos específicos dos Clientes devem ser considerados no Escopo da organização, logo todas as decisões da Alta Direção deverão considera-los. E não para por aí. Os riscos, a eficácia e a eficiência dos processos de realização dos produtos, os planos de contingência, falhas de campo etc, devem ser constantemente avaliados pela Alta Direção. Isso com certeza não poderá ser feito apenas uma vez por ano. O ideal é que seja “on line”. Pois depois que um problema já aconteceu, deixa de ser um risco e passa a ser uma não-conformidade.
As organizações precisarão criar formas para que a mentalidade do risco seja algo natural nas pessoas, nos processos e por toda a organização.
Os chamados “Donos dos Processos” deverão ser identificados. Caberá a eles gerenciar seus processos alinhados com as diretrizes da Alta Direção, diretrizes essas, alinhadas com os requisitos dos clientes. A mentalidade de risco deverá fazer parte do dia-a-dia destas pessoas e de suas equipes de trabalho.
Instalações fabris deverão ser constantemente avaliadas, os riscos deverão ser identificados. Analise da viabilidade de manufatura com foco no risco, antes e durante o contrato de fornecimento.
Planos de contingência elaborados e testados (avaliar riscos internos e externos).
Fluxogramas, FMEA´s, Plano de Controle possivelmente precisarão ser revisados em alguns casos. Por exemplo, o requisito 8.5.6.1.1 – Mudança temporária nos controles do processo, requer que os meios de controle alternativos sejam identificados, isso deve ser documentado, uma análise de riscos deverá ser realizada etc.
Os Planos de Controle também deverão ser revisados com frequência compatível com o risco.
O processo de qualificação, avaliação e monitoramento da cadeia de fornecimento deverá ser revisado. Analisar os riscos ao qualificar, manter ou ampliar a participação de um fornecedor é mandatório. As auditorias de segunda parte, deverão ser executadas por auditores qualificados e aptos em fazer auditorias com foco no risco.
O processo de auditoria interna deverá ser severamente melhorado. A equipe auditora deverá ser capacitada para avaliar os riscos durante as auditorias, possuir conhecimento sobre os Core Tools, Requisitos Específicos dos Clientes, Processos de Fabricação etc. As auditorias deverão ser planejadas com base na avaliação de riscos sobre os processos (frequência adequada). Um método para identificar quais processos apresentam um maior risco em comprometer o bom funcionamento do SGQ e, por consequência, a satisfação do cliente, possivelmente precisará ser desenvolvido.
Avaliação de riscos no Controle de Produtos Retrabalhados e Reparados também é requerido, entre outros.
Esses são apenas alguns exemplos de como a mentalidade do risco irá permear toda a organização.
Salientamos que a “janela de tempo” para adequação é muito estreita. A partir de outubro/2017 só serão realizadas auditorias IATF-16949. Não serão mais realizadas auditorias de manutenção ou recertificação na ISO TS-16949:2009. Após 14 de setembro de 2018 os certificados ISO TS-16949:2009 perdem a validade, a norma deixa de existir.
Uma atitude, já tratando o risco, é considerar a data máxima para auditoria de recertificação em maio/2018. Precisamos considerar que os 90/ 120 dias seguintes serão para correções ou liberação do certificado por parte do organismo certificador.
Desta forma, recomendamos que as organizações sigam os seguintes passos nesse período de transição:
1 – Treinamento na equipe diretamente envolvida no SGQ nas normas ISO-9001:2015 e IATF-16949:2016;
2 – Comunicação e conscientização de todos colaboradores da organização de que esse processo irá começar (principalmente os gestores – “Donos dos Processos” e a Alta Direção);
3 – Treinamento dos Gestores (Donos dos Processos + Alta Direção), considerando suas atribuições no âmbito da Liderança;
4 – Formação da equipe de auditores internos (agora os requisitos para qualificação dos auditores estão muito mais elevados);
5 – Auditoria de Gap Analysis (lacunas), entre o SGQ atual e o que precisa ser implementado / alterado em adequação às duas novas normas (ISO 9001 e IATF 16949).
PS: Organismos certificadores não poderão realizar esse serviço.
6 – Definir um plano de ação para implementação das necessidades e executa-lo;
7 – Auditoria Interna;
8 – Análise Critica da Direção;
Certamente podemos afirmar que a grande mudança que a IATF objetiva é que as empresas certificadas realmente apresentem resultado e não, papéis.
Mais do que nunca será necessário um SGQ que gere Credibilidade e Valor.
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Att;
Henrique Lind